As mudanças climáticas estão entre os maiores desafios globais do século XXI, impactando significativamente empresas e sociedade. Nesse contexto, os cenários climáticos são ferramentas indispensáveis para as decisões estratégicas de médio e longo prazo. A análise de cenários climáticos permite que as organizações antecipem impactos e adotem ações preventivas, remediadoras e/ou adaptativas.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) desenvolve projeções climáticas com base em diferentes cenários de emissões, cada um associado a distintos níveis de cumprimento das metas do Acordo de Paris. Com o passar do tempo, alguns desses cenários que pareciam plausíveis em 2015 têm se mostrado menos prováveis. Estudos recentes (1;2) sugerem que tanto a trajetória climática global mais otimista quanto a mais pessimista tendem a ser descartadas. Essas mudanças destacam a importância de as organizações basearem suas análises e estratégias em cenários mais prováveis e realistas, evitando extremos que podem distorcer a avaliação de riscos e oportunidades.
Como exemplo da utilização de cenários climáticos em contexto corporativo, o CDP requer informações detalhadas sobre como as empresas estão considerando riscos e oportunidades relacionados a diferentes cenários. Da mesma forma, o Índice de Sustentabilidade Empresarial ISE-B3 requer que as empresas identifiquem como diferentes patamares de aquecimento global impactam seus negócios, considerando aspectos como a adaptação das operações, a gestão de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o planejamento estratégico a longo prazo.
O IPCC concentra suas análises sobre cinco “SSPs” (Shared Socioeconomic Pathways), que são trajetórias socioeconômicas compartilhadas de emissões. Os SSPs consideram desafios à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, como crescimento populacional, renda, desigualdades sociais, segurança alimentar, regulamentação do uso da terra e capacidade de adaptação. As emissões derivadas das trajetórias socioeconômicas dos SSPs podem resultar em diferentes níveis de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, representados pelos RCPs (Representative Concentration Pathways). Os RCPs são categorizados com base nas concentrações de GEE devido aos fatores das emissões antropogênicas como o tamanho populacional, atividade econômica, estilo de vida, uso de energia, padrões de uso da terra, tecnologia e política climática.
A combinação dos SSPs e RCPs resulta em projeções integradas que permitem avaliar os possíveis impactos das trajetórias socioeconômicas sobre as concentrações de gases de efeito estufa e o clima global. Cada combinação representa um cenário de emissões e aquecimento, auxiliando na compreensão das consequências das decisões políticas, econômicas e tecnológicas. Por exemplo, o SSP1-1.9 descreve um mundo sustentável, onde as emissões líquidas de CO₂ zeram até 2050, resultando em aquecimento limitado a 1–1,5°C, enquanto o SSP5-8.5 reflete um cenário de crescimento acelerado de emissões, com temperaturas excedendo 4°C até o final do século. A seguir, detalhamos as principais combinações de SSPs e RCPs, destacando suas características, projeções de aquecimento e padrões de emissões:
SSP1-1.9 (1 a 1,5°C): as emissões líquidas de CO2 zeram por volta de 2050, quando o balanço de CO2e atmosférico passa a ser negativo.
SSP1-2.6 (1,5 a 2°C): emissões líquidas de CO2 zeram por volta de 2070, quando o balanço de CO2e atmosférico passa a ser negativo.
SSP2-4.5 (2,5 a 3°C): as emissões permanecem nos níveis atuais até meados de 2050, quando o aumento de concentração passa a declinar.
SSP3-7.0 (3,5 a 4°C): emissões crescem dobrando em relação aos níveis atuais até 2100.
SSP5-8.5 (acima de 4°C): crescimento acelerado de emissões de GEE, atingindo o dobro dos níveis já em 2050.
O gráfico mostrado na Figura 1 representa o aumento da temperatura da superfície da Terra em relação a 1850–1900 em resposta aos cinco cenários considerados pelo IPCC (SSP1–1.9, SSP1–2.6, SSP2–4.5, SSP3–7.0, e SSP5–8.5).

Figura 1 - Temperatura para cenários baseados em SSP ao longo do século XXI em 2100.
Fonte: Adaptado de IPCC, 2023.
A trajetória planejada pelo Acordo de Paris, representada pelo cenário mais otimista (SSP1–1.9), tem se tornado cada vez mais irrealista diante da inércia na gestão global de emissões de GEE. Paralelamente, estudos recentes apontam que o cenário mais pessimista (SSP5-8.5) também é considerado extremamente improvável, justificando a adoção do SSP3-7.0 como um cenário pessimista mais plausível do que o SSP5-8.5 [1;2]. O descarte do cenário mais desejável e do mais indesejável permite focar em projeções com menor intervalo de confiança, conferindo maior acurácia ao planejamento organizacional para estratégias de médio e longo prazo.
Essas trajetórias intermediárias são particularmente úteis para análises regionalizadas, pois refletem condições mais próximas das tendências observadas, o que é indispensável para que as projeções sejam convertidas em ações práticas, maximizando os ganhos em resiliência e sustentabilidade.
Por fim, ainda que cenários inferiores a SSP2-4.5 e superiores a SSP3-7.0 acabem perdendo a relevância para análises de riscos e planos de adaptação climática, cabe destacar que ambos apresentam referências muito simbólicas. Com SSP1-1.9 somos obrigados a reconhecer os benefícios do Acordo de Paris, e com o SSP5-8.5 dimensionamos a tragédia causada que resultaria da completa negligência na gestão de emissões.
Referências
CONNOLLY, Ronan et al. How Much Human-Caused Global Warming Should We Expect with Business-As-Usual (BAU) Climate Policies? A Semi-Empirical Assessment. Energies, v. 13, n. 1365, p. 1-53, 2020. Disponível em: https://www.mdpi.com/1996-1073/13/6/1365. Acesso em: 09 dez. 2024.
HAUSFATHER, Zeke; PETERS, Glen P. Emissions – the ‘business as usual’ story is misleading. Nature, v. 577, n. 7792, p. 618-620, 2020. Disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586-020-00177-3. Acesso em: 25 nov. 2024.
IPCC. Mudança do Clima 2023. Relatório Síntese. Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/relatorios-do-ipcc/arquivos/pdf/copy_of_IPCC_Longer_Report_2023_Portugues.pdf. Acesso em: 06 dez. 2024.
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